Especialista alerta: instalação de cabo submarino de fibra ótica ameaça biodiversidade marinha

O navio da Alcatel Submarine Networking (ASN) no Porto de Díli/Foto: Diligente

Perito enfatiza que a obra pode alterar o comportamento de espécies e afetar o percurso migratório das baleias. Cabo tem 600 km de extensão, ligando Timor-Leste, a partir da região de Bebonuk, Díli, à cidade de Darwin, na Austrália. A previsão é de que os trabalhos sejam concluídos até ao final deste ano.

A procura de soluções para resolver os problemas de acesso à internet e da qualidade das telecomunicações no país tem sido transversal nas políticas governativas dos últimos anos em Timor-Leste. Recentemente, a 23 de setembro de 2023, o IX Governo, através do Ministério dos Transportes e Comunicações (MTC), celebrou um acordo com as empresas australianas RMS Engineering and Construction e DXN Limited, que ficarão responsáveis pela construção de uma estação central em Bebonuk, Díli.

No entanto, o acordo com a companhia Alcatel Submarine Networking (ASN), uma das ramificações da multinacional NOKIA, para o projeto de instalação de fibra ótica submarina, é visto com desconfiança por um especialista em Biologia Marinha, que levantou questões quanto aos riscos ambientais.

Com 600 quilómetros de comprimento e uma durabilidade de 25 anos, o cabo a ser submerso irá ligar Timor-Leste, a partir da região de Bebonuk, em Díli, a Darwin, na Austrália – de onde os sinais de luz serão gerados, transmitindo, de forma estável, os dados a serem convertidos em internet de alta velocidade. As obras para o empreendimento tiveram início na passada segunda-feira (24.06) e a previsão é de que estejam concluídas até ao final deste ano.

O ex-ministro do Turismo, Comércio e Indústria, especialista em Biologia Marinha e presidente da Associação de Pescas e Marinha de Timor-Leste (APM-TL), José Lucas do Carmo, chamou a atenção para os possíveis impactos negativos do projeto ao ecossistema marinho.

Composta por profissionais timorenses, a APM-TL se responsabiliza há mais de uma década pelo estudo e análise de todos os aspetos da vida marítima no país.

Em conversa com o Diligente, José Lucas do Carmo explicou que a implementação do cabo de fibra ótica tem três etapas importantes – instalação, monitorização e demolição – e cada uma delas traz consequências. Ainda assim, o especialista destaca as fases de instalação e demolição como as mais prejudiciais.

O perito detalhou que, na fase de instalação, o cabo irá perturbar a vida no mar e o seu ambiente, devido às escavações para a colocação do material. Isso pode levar determinadas espécies de peixes a abandonar as áreas por onde normalmente circulam, a mudar os locais de desova e, possivelmente, a migrar para outras zonas.

“Se os peixes migrarem, a própria cadeia alimentar é afetada. A pesca é uma das formas de subsistência da população e corremos o risco de ter menos peixe na nossa costa”, destacou.

José Lucas do Carmo também alertou para os eventuais prejuízos no percurso migratório das baleias. “As baleias são muito sensíveis ao barulho e podem mudar de rumo se não estiverem confortáveis na sua viagem”, afirmou o responsável da APM-TL. Em Timor-Leste, além da questão do bem-estar das espécies marinhas, a migração das baleias também se tem tornado “numa atração turística com elevado valor económico”, reforçou.

A Autoridade Nacional do Licenciamento Ambiental (ANLA) atribuiu nota B ao projeto de instalação de fibra ótica submarina, de acordo com a tabela de risco ambiental. A classificação de risco na ANLA divide-se em três níveis: A – risco elevado; B – risco moderado; C – sem risco. A ANLA autorizou a execução do projeto.

Na avaliação dos técnicos responsáveis pela instalação, o cabo “não prejudica muito” a vida marinha, defendendo o facto de outras nações também recorrerem à fibra ótica submarina. “Obtivemos uma licença da Autoridade Nacional do Licenciamento Ambiental (ANLA) com a letra B. Significa que o impacto ambiental não é muito grave”, resumiu Romualdo Guterres, coordenador do projeto de instalação.

Governantes animados com a obra

Menos preocupados com as questões ambientais, alguns governantes mostram-se satisfeitos com o avançar do projeto. O governo está convicto de que está em marcha o plano para resolver os problemas de acesso à internet no país.

No último sábado (22.06), autoridades reuniram-se no Porto de Díli para recepcionar o navio que atracou: a embarcação trouxe consigo o cabo. Na ocasião, o diretor nacional das Infraestruturas e Comunicação do MTC, Ambrósio Amaral, demonstrou entusiasmo.

“A chegada da fibra ótica é o que o povo e a comunidade informática de Timor-Leste têm esperado. Com isso, esperamos resolver os problemas de rede e acabar com as reclamações sobre a internet. Todos vão facilmente ter acesso às informações online, sem problemas de rede. No âmbito da adesão à ASEAN, a comunicação é um dos fatores mais importantes, até porque pode atrair investidores”, enfatizou o diretor.

O contrato com a ASN ficou fechado no dia 31 de maio de 2022, num valor de aproximadamente 38 milhões de dólares a ser custeado pelo Estado timorense. A previsão era de que os trabalhos fossem concluídos até 31 de janeiro de 2024. No entanto, os termos do acordo não se materializaram devido à mudança de governo, em meados de 2023.

Ainda assim, o tratado manteve-se com a atual gestão e o processo de instalação da fibra ótica e a construção da estação de Bebonuk tiveram início. A situação agradou o ministro dos Transportes e Comunicações, Miguel Marques Manetelu. “Independentemente da vida marinha, o nosso desenvolvimento deve prosseguir”, ressaltou o líder, no âmbito da receção do navio que trouxe o cabo.

O governo garantiu a aquisição de oito placas de repetidores de sinal do cabo submarino. O repetidor é um dispositivo que funciona para receber e multiplicar o sinal de rede, tornando a cobertura mais ampla. O navio com o cabo de fibra ótica já se encontra em Bebonuk.

O Conselho de Ministros, na reunião de dia 5 de junho, também agradeceu o empenho da equipa e decidiu atribuir nomes de alguns mártires de Timor-Leste aos repetidores de sinal – Maria Udu Bele “Maria Tapó”, Rosa Bonaparte Soares “Muki”, Dulce Maria da Cruz “We-we”, Fernando de Araújo “La-sama”, Agostinho do Espírito Santo, José da Silva, Venâncio Ramos Amaral Ferraz e Dinis Carvalho da silva “Nelo Kadomi Timor”.

Na mesma reunião do Conselho de Ministros, Miguel Marques apresentou o ponto de situação do projeto, dando conta da data de início das operações e da previsão para o seu término.

Comente ou sugira uma correção

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Open chat
Precisa de ajuda?
Olá 👋
Podemos ajudar?